segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Algumas musicas de Vinicius de Moraes

A arca de Noé             

Sete em cores, de repente

O arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da mata.

O sol, ao véu transparente
Da chuva de ouro e de prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata.

E abre-se a porta da Arca
De par em par: surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca

Noé, o inventor da uva
E que, por justo e temente
Jeová, clementemente
Salvou da praga da chuva.

Tão verde se alteia a serra
Pelas planuras vizinhas
Que diz Noé: "Boa terra
Para plantar minhas vinhas!"

E sai levando a família
A ver; enquanto, em bonança
Colorida maravilha
Brilha o arco da aliança.

Ora vai, na porta aberta
De repente, vacilante
Surge lenta, longa e incerta
Uma tromba de elefante.

E logo após, no buraco
De uma janela, aparece
Uma cara de macaco
Que espia e desaparece.

Enquanto, entre as altas vigas
Das janelinhas do sótão
Duas girafas amigas
De fora as cabeças botam.

Grita uma arara, e se escuta
De dentro um miado e um zurro
Late um cachorro em disputa
Com um gato, escouceia um burro.

A Arca desconjuntada
Parece que vai ruir
Aos pulos da bicharada
Toda querendo sair.

Vai! Não vai! Quem vai primeiro?
As aves, por mais espertas
Saem voando ligeiro
Pelas janelas abertas.

Enquanto, em grande atropelo
Junto à porta de saída
Lutam os bichos de pêlo
Pela terra prometida.

"Os bosques são todos meus!"
Ruge soberbo o leão
"Também sou filho de Deus!"
Um protesta; e o tigre - "Não!"

Afinal, e não sem custo
Em longa fila, aos casais
Uns com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais.

Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida.

Conduzidos por Noé
Ei-los em terra benquista
Que passam, passam até
Onde a vista não avista.

Na serra o arco-íris se esvai...
E... desde que houve essa história
Quando o véu da noite cai
Na terra, e os astros em glória

Enchem o céu de seus caprichos
É doce ouvir na calada
A fala mansa dos bichos
Na terra repovoada.


A bênção, Bahia
Olorô, Bahia 
Nós viemos pedir sua bênção, saravá! 
Hepa hê, meu guia 
Nós viemos dormir no colinho de lemanjá! 

Nanã Borokô fazer um Bulandê 
Efó, caruru e aluá 
Pimenta bastante pra fazer sofrer 
Bastante mulata para amar 

Fazer juntó 
Meu guia, hê 
Seu guia, hê 
Bahia! 

Saravá, senhora 
Nossa mãe foi-se embora pra sempre do Afojá 
A rainha agora 
É Oxum, é a mãe Menininha do Gantois 

Pedir à mãe Olga do Alakêto, hê 
Chamar Inhansã para dançar 
Xangô, rei Xangô, Kabueci-elê 
Meu pai! Oxalá, hepa babá! 

A bênção, mãe 
Senhora mãe 
Menina mãe 
Rainha! 

Olorô, Bahia 
Nós viemos pedir sua bênção, saravá! 
Hepa hê, meu guia 
Nós viemos dormir no colinho de lemanjá!



A bíblia
A Bíblia já dizia
Pra quem sabe entender 
Que há tempo de alegria 
Que há tempo de sofrer 
Que o tempo só não conta 
Pra quem não tem paixão 
E que depois do encontro 
Sempre tem separação 
Que o dia que é da caça 
Não é do caçador 
E que na alternativa 
Viva e viva 
E viva o amor 

A gente vem da guerra 
Pra merecer a paz 
Depois faz outra guerra 
Porque não pode mais 
E deixa andar e deixa andar 
Até a guerra terminar 
Vamos curtir, vamos cantar 

Até a guerra se acabar



A cachorrinha 
Mas que amor de cachorrinha! 
Mas que amor de cachorrinha! 

Pode haver coisa no mundo 
Mais branca, mais bonitinha 
Do que a tua barriguinha 
Crivada de mamiquinha? 

Pode haver coisa no mundo 
Mais travessa, mais tontinha 
Que esse amor de cachorrinha 
Quando vem fazer festinha 

Remexendo a traseirinha?


A carta que não foi mandada

Paris, outono de 73 
Estou no nosso bar mais uma vez 
E escrevo pra dizer 
Que é a mesma taça e a mesma luz 
Brilhando no champanhe em vários tons azuis 
No espelho em frente eu sou mais um freguês 
Um homem que já foi feliz, talvez 
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor 
Saudades, certamente, de algum grande amor 

Mas ao vê-lo assim tão triste e só 
Sou eu que estou chorando 
Lágrimas iguais 
E, a vida é assim, o tempo passa 
E fica relembrando 
Canções do amor demais 
Sim, será mais um, mais um qualquer 
Que vem de vez em quando 
E olha para trás 
É, existe sempre uma mulher 
Pra se ficar pensando 
Nem sei... nem lembro mais


A casa 
Era uma casa 
Muito engraçada 
Não tinha teto 
Não tinha nada 
Ninguém podia 
Entrar nela não 
Porque na casa 
Não tinha chão 
Ninguém podia 
Dormir na rede 
Porque a casa 
Não tinha parede 
Ninguém podia 
Fazer pipi 
Porque penico 
Não tinha ali 
Mas era feita 
Com muito esmero 
Na Rua dos Bobos 
Número Zero.


A dor a mais


Foi só muito amor
Muito amor demais 
Foi tanta a paixão 
Que o meu coração, amor 
Nem soube mais 
Inventei a dor 
E como ela nos doeu 

Ah, que solidão buscar perdão 
No corpo teu 
Tanto tempo faz 
Tens um outro amor, eu sei 
Mas nunca terás 
A dor a mais 
Como eu te dei 
Porque a dor a mais 
Só na paixão 
Com que eu te amei


A felicidade
Tristeza não tem fim 
Felicidade sim 

A felicidade é como a gota 
De orvalho numa pétala de flor 
Brilha tranqüila 
Depois de leve oscila 
E cai como uma lágrima de amor 

A felicidade do pobre parece 
A grande ilusão do carnaval 
A gente trabalha o ano inteiro 
Por um momento de sonho 
Pra fazer a fantasia 
De rei ou de pirata ou jardineira 
Pra tudo se acabar na quarta-feira 

Tristeza não tem fim 
Felicidade sim 

A felicidade é como a pluma 
Que o vento vai levando pelo ar 
Voa tão leve 
Mas tem a vida breve 
Precisa que haja vento sem parar 

A minha felicidade está sonhando 
Nos olhos da minha namorada 
É como esta noite, passando, passando 
Em busca da madrugada 
Falem baixo, por favor 
Pra que ela acorde alegre com o dia 
Oferecendo beijos de amor


A flor da noite 
Na solidão escura 
Do velho Pelourinho 
Matilde, a louca mansa 
Vivia mercando assim: 
Olha a flor da noite ... 
Olha a flor da noite ... 

Seria a flor da noite 
A luz da estrela solitária 
A tremular tão pura 
Sobre o velho Pelourinho? 
Ou o som da voz ausente 
Da menina triste 
Que mercava o seu triste descaminho: 
Olha a flor da noite ... 
Olha a flor da noite ... 

Ou seria a flor da noite 
A face oculta atrás da aurora 
Por quem o homem luta 
Desde nunca até agora 
A louca aprisionada 
Pelos monstros do poente 
E que avisa e grita alucinadamente: 
Olha a flor da noite ... 
Olha a flor da noite ...

A foca 
Quer ver a foca 
Ficar feliz? 
É por uma bola 
No seu nariz. 

Quer ver a foca 
Bater palminha? 
É dar a ela 
Uma sardinha. 

Quer ver a foca 
Fazer uma briga? 
É espetar ela 
Bem na barriga!

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