Petrópolis
Chacina em Barros Filho
(tragédia "pau-de-arara" em três atos)
Tudo começou há dois anos, em Bom Conselho, nas Alagoas, quando, por dificuldades de vida, Francisco de Paula, depois de beijar a mulher, Maria José, e abençoar o filho pequenino, Inacinho, abalou-se para o Rio a fim de trabalhar em obras, como um nordestino qualquer.
(De um vespertino da época)
FRANCISCO DE PAULA, vinte e cinco anos
MARIA JOSÉ, sua mulher, vinte anos
JANDIRA, amiga de Maria José, vinte e quatro anos
TOMÉ DE PAULA, tio de Francisco de Paula, cinqüenta e cinco anos
PEDRO, o mascate, vinte e sete anos
primos de Francisco de Paula e sobrinhos de Tomé de Paula:
CRISANTO DE PAULA, trinta anos
CRISTINO DE PAULA, trinta e cinco anos
CRISTÓVÃO DE PAULA, trinta e três anos
PERNAMBUCO, o tendeiro, setenta anos
ISAÍAS GRANDE, tio de Maria José, cinqüenta e cinco anos
JOÃO GRANDE, tio de Maria José, quarenta e oito anos
JOÃO SEBASTIÃO, irmão de Francisco de Paula, trinta anos
JOVIRA, comadre de João Grande, quarenta e cinco anos
ZEFA, a prostituta, trinta anos
A NORDESTINA VELHA, setenta anos presumíveis
DUAS NEGRAS
QUATRO MULHERES DE CORO
COMPARSAS
TEMPO: O presente
Cordélia e o peregrino
Este texto foi escrito paralelamente à realização de minhas Cinco elegias (de algumas delas, pelo menos ...), às quais deveria pertencer, não se houvesse transformado, à medida, numa forma lírico-teatral. Disso já lá vão muitos anos. Há, pois, que lê-lo dentro do espírito do tempo, e ciente de que o poeta de então era bem mais moço e complicado que o atual.
Agrada-me, nele, a sinceridade e paixão com que foi escrito, e a realidade saudável de certas tiradas e não posso deixar de ver nisso a semente da mudança operada no poeta que hoje sou, não sei se melhor ou pior, mas, por certo, mais humano e infinitamente mais próximo da terra.
Penitencio-me de sua saída tão fora de tempo. Anima-me, no entanto, a ideia de que a maioria daqueles que o vão ler são pessoas com um julgamento já formado sobre o poeta e sua poesia.
PERSONAGENS
Um abrigo na montanha, sombrio, rude mesmo. Paredes nuas, teto baixo de vigas escuras, tortuosas. Móveis simples, abandonados. Duas ou três velhas reproduções de quadros nas paredes da direita e da esquerda. Tudo isso, arquitetura e mobiliário, obedecendo à fantasia do poeta feito cenarista, que os poderá compor na medida inconsciente da sua emoção. Porta de entrada e grandes janelas ao fundo, de onde se vê o campo como parte essencial da cena. Terra chã, de poucas árvores e estranhas, figurando não importa que desejo íntimo do poeta de esculpir a sua criação. Na hipótese de uma abertura da cena, o Peregrino achar-se-ia imóvel junto à porta, como perscrutando o silêncio. Fora, um sol-das-almas tornaria rosa a paisagem nua. A pouco e pouco viria a sombra e por um instante deixar-se-ia estar quase como uma presença. Depois, Vésper surgiria lenta, iluminada e sozinha. A calma de todas as coisas deveria existir imensamente por alguns segundos.
Ao falarem, as figuras deveriam buscar os gestos essenciais às palavras. A palavras simples, gestos singelos; a palavras nobres, gestos hieráticos. Em repouso, a imobilidade perfeita, estabilizada na última vibração da tônica anterior. Sempre que pela necessidade de sua expressão as palavras arrancassem música da voz humana, as figuras deveriam dançar. Também esta dança, cujos movimentos e voo mesmo dos vocábulos proveriam, deveria ficar em sua composição a cargo do poeta feito cenógrafo que a transportaria, eventualmente, para o plano da ação. Assim é que a dança procuraria ansiosamente exprimir o que não ficou dito em poesia, numa tentativa invejosa de a ultrapassar. Nesse jogo de forças o poeta seria tanto diretor como ator, atendendo a todas as necessidades líricas da sua criação, e usando, para atingir seu fim, de qualquer recurso de ordem natural ou sobrenatural, de todas as invenções da mecânica inconsciente, de todos os devaneios, presságios, encantações que pudessem, por um segundo que fosse, arrancá-lo de sua sordidez.
Orfeu da Conceição
PERSONAGENS
ORFEU DA CONCEIÇÃO, o músico
EURÍDICE, sua amada
CLIO, a mãe de ORFEU
APOLO, o pai de ORFEU
ARISTEU, criador de abelhas
MIRA DE TAL, mulher do morro
A DAMA NEGRA
PLUTÃO, presidente dos Maiorais do Inferno
PROSÉRPINA, sua rainha
O CÉRBERO
GENTE DO MORRO
OS MAIORAIS DO INFERNO
CORO e CORIFEU
AÇÃO: Um morro carioca
TEMPO: 0 presente
O MITO DE ORFEU*
Orfeu teve desgraçado fim. Depois da expedição à Cólchida, fixou-se na Trácia e ali uniu-se à bela ninfa Eurídice. Um dia, como fugisse Eurídice à perseguição amorosa do pastor Aristeu, não viu uma serpente oculta na espessura da relva, e por ela foi picada. Eurídice morreu em conseqüência, e desde então Orfeu procurou em vão consolar sua pena enchendo as montanhas da Trácia com os sons da lira que lhe dera Apolo. Mas nada podia mitigar-lhe a dor e a lembrança de Eurídice perseguia-o em todas as horas.
Não podendo viver sem ela, resolveu ir buscá-la nas sombrias paragens onde habitam os corações que não se enterneceram com os rogos humanos. Aos acentos melódicos de sua lira, os espectros dos que vivem sem luz acorreram para ouvi-lo, e o escutavam silenciosos como pássaros dentro da noite. As serpentes que formam a cabeceira das intratáveis Eríneas deixaram de silvar e o Cérbero aquietou o abismo de suas três bocas. Abordando finalmente o inexorável Rei das Sombras, Orfeu dele obteve o favor de retornar com Eurídice ao Sol. Porém seu rogo só foi atendido com a condição de que não olhasse para trás a ver se sua amada o seguia. Mas no justo instante em que iam ambos respirar o claro dia, a inquietude do amor perturbou o infeliz amante. Impaciente de ver Eurídice, Orfeu voltou-se, e com um só olhar que lhe dirigiu perdeu-a para sempre.
As Bacantes, ofendidas com a fidelidade de Orfeu à amada desaparecida, a quem ele busca perdido em soluços de saudades, e vendo-se desdenhadas, atiram-se contra ele numa noite santa e esquartejam o seu corpo. Mas as Musas, a quem o músico tão fielmente servira, recolheram seus despojos e os sepultaram ao pé do Olimpo. Sua cabeça e sua lira, que haviam sido atiradas ao rio, a correnteza jogou-as na praia da Ilha de Lesbos, de onde foram piedosamente recolhidas e guardadas.
Procura-se uma rosa
O texto da notícia que serviu de tema às três peças é o seguinte: FATOS DA CIDADE / PROCURA-SE UMA ROSA / Estava na estação. Eram três horas da tarde. Com a companheira pelo braço, preparava-se para o momento de embarcar. Tinham chegado juntos, ficaram juntos todo o tempo e juntos iam embarcar. Passava gente por todos os lados. E então, de um segundo para outro, Rosa perdeu-se de seu braço. Não sabe explicar como. Só sabe que Rosa sumiu como se tivesse sumido dentro de si mesma. Esperou acabar o movimento. A estação ficou deserta. Mas Rosa não apareceu. Voltou para casa e de novo pôs-se a esperar. Mas Rosa não apareceu. Foi então ao distrito policial e comunicou a ocorrência. E agora Lino dos Santos está percorrendo os jornais para avisar que oferece uma gratificação a quem encontrar a sua Rosa. Qualquer informação pode ser enviada à redação deste jornal.
PERSONAGENS POR ORDEM DE ENTRADA
GUARDA Nº 1 (177), negro, vinte e cinco anos
INVESTIGADOR Nº 1 (Canhoto), vinte e sete anos
GUARDA Nº 2 (150), vinte e três anos
MULHER Nº 1, vinte e dois anos
INVESTIGADOR Nº 2, vinte e cinco anos
COMISSÁRIO, trinta e cinco anos
ESCRIVÃO, quarenta e cinco anos
REPÓRTER POLICIAL, trinta e três anos
LOUCA DA CURRA, dezoito anos
RAPAZ DA ROSA, vinte e um anos
MULHER Nº 2, negra, trinta e dois anos
LUZIA, negra bêbada
VOZ DO DELEGADO
Por Leandro Arcanjo